Greenwashing X Desenvolvimento Sustentável:

a verdade por trás das práticas de sustentabilidade.

A T2M teve o privilégio de convidar Marcos Felipe Magalhães para compartilhar sua expertise neste instigante artigo, intitulado "Do Greenwashing ao Legítimo Desenvolvimento Sustentável", no qual ele aborda questões essenciais sobre práticas empresariais sustentáveis e a importância de um compromisso genuíno com o desenvolvimento sustentável.

Marcos Felipe Magalhães

Marcos Felipe Magalhães, Doutor em Ciências Sociais pela COPPE UFRJ, Pós-doutor em Economia pelo IE UFRJ e atualmente Pós-doutorando em Engenharia de Sistemas na UFRJ, é um renomado especialista em planejamento, gestão e desenvolvimento sustentável. Com uma vasta experiência, incluindo o cargo de Diretor Geral da Coca-Cola Brasil, e autor de diversos livros sobre o tema, ele é uma referência na área de sustentabilidade corporativa.

Do greenwashing ao legítimo Desenvolvimento Sustentável

Não é suficiente fazer nobres declarações de Missão ou Propósito nas organizações, mas sim atuar para os resultados que estão nos sistemas, processos e práticas diárias da empresa, requerendo uma compreensão intelectual e emocional profunda do ponto de vista da sustentabilidade dos recursos de produção da Terra, da Sociedade, do Capital e do Trabalho.

A sustentabilidade como vantagem competitiva, no sentido da sua perenidade, depende de negócios, soluções e atitudes sustentáveis na expectativa de um mundo economicamente mais próspero, além de ambiental e socialmente mais justo.

Pretender cumprir o Propósito da Organização sem as devidas ações é mera divagação. E agir sem esforços é um exercício de meditação. Logo, como todo discurso deve ser traduzido em práticas, e como não existe prática sem esforço, a única maneira de validar a execução da estratégia é por meio do compromisso e acompanhamento dos resultados legitimamente sustentáveis.

Por outro lado, enquanto existe uma preocupação com práticas que gerem resultados sustentáveis aparece, na contramão dos bons objetivos, o condenável greenwashing , expressão que significa “maquiagem verde” ou “lavagem verde”, em que as marcas criam uma falsa aparência de sustentabilidade, e que os produtos, objetivos e políticas são ecologicamente corretos, sem necessariamente aplicá-la na prática.

Na categoria maldita de enganar as Partes Interessadas podemos incluir o socialwashing, que repete o mecanismo “washing” para sair da cobrança por maior responsabilidade social das empresas, muitas vezes fazendo ações pontuais, porém, sem um compromisso mais efetivo e continuado para ter um papel ativo na superação das desigualdades e exclusões sociais, e uma vez que as métricas de impactos sociais são menos frequente do que aquelas que guiam iniciativas ambientais, é mais difícil identificar ações que são mera maquiagemi.

Alguns subgrupos do socialwashingii, são o “bluewashing” (associação visual com a ONU para dar uma legitimidade indevida), “pinkwashing” (associação pouco efetiva com temáticas ligadas às pautas LGBTQI+), e “rainbowashing” (uso inapropriado dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU).

O conceito de washing, lavagem ou falsidade ideológica, pode ocorrer nas dimensões de governança, quando a “contabilidade criativa” atinge os limites da fraude contábil, ou também na dimensão Pessoas, quando a exploração da mão de obra abusa da assimetria de poder entre os contratantes e colaboradores.

E não é demais admitir a existência do peoplewashing nas organizações que implementam espaços de descontração, mas mantêm uma cultura que não permite que as pessoas as utilizem, ou então, que discursam práticas de diversidade, mas não possuem um ambiente inclusivo e diverso.

Peoplewashing é uma cultura que valida comportamentos que suas estratégias não pregam, líderes que só pensam em resultados e não consideram as pessoas, remunerando insalubridade ao invés de melhorar o ambiente de trabalho, e medem paradas por acidentes, ao invés de medir a segurança dos colaboradores. As organizações realmente dedicadas à Satisfação das Pessoas se valem de modernas tecnologias, para que possam realmente aproveitar ao máximo as habilidades, a imaginação, os sonhos e as ideias das pessoas

As empresas que adotam intencionalmente estratégias washing muitas vezes o fazem para se distanciar dos lapsos ambientais, ou sociais de si mesmos ou de seus fornecedoresiii, fazendo que a prática contribua para prejudicar as relações da organização com as Partes Interessadas, minando a necessária relação de confiança do sistema, e diminuindo o poder das Partes de levar as empresas a processos de fabricação e operações comerciais mais sustentáveisiv.

Quando uma empresa decide se comportar de forma responsável e adota uma visão de desenvolvimento sustentável, pode ter que mudar profundamente sua cultura corporativa para entender e se apropriar do conceito. Não basta integrar o desenvolvimento sustentável à comunicação para persuadir as Partes Interessadas no apoio ao plano estratégico da organizaçãov Uma organização realmente comprometida com o desenvolvimento sustentável exige que a responsabilidade sobre o tema não seja difusa ou não estratégica, que haja engajamento do C- level, que exista uma conexão com a atividade-fim, e que sua atuação não seja circunstancial e oportunista.

O termo sustentabilidade é amplamente utilizado para indicar programas, iniciativas e ações voltadas à preservação dos recursos de produção, porém, de fato se referem a compromissos da organização em quatro áreas distintas: Ambiental, Social, Governança e Pessoas, que são os pilares do Desenvolvimento Sustentável.

Cada um dos pilares do Desenvolvimento Sustentável tem a mesma importância, uma vez que a

sustentabilidade do todo depende da sustentabilidade de cada uma das partes. Ou seja, um negócio para ser sustentável busca integrar todos os quatro pilares, e para atingir esse objetivo cada um deles precisa ser tratado igualmente.

A proposta de Desenvolvimento Sustentável traz uma abordagem que pretende explorar as dimensões dos quatro pilares, nos quais os conceitos de valor sejam desatrelados do binômio lucro/prejuízo, e que passem a ser observados na perspectiva de atendimento, no alcance dos objetivos prioritários de cada uma das Partes Interessadas. A lógica, então, implica um conjunto inter-relacionado de tendências e forças que afetam todas as atividades ambientais, sociais, de governança e das pessoas.

A partir deste modelo, torna-se um exercício de gestão entender como as empresas podem incorporar todos os quatro pilares da sustentabilidade em suas atividades principais. E a resposta está no desdobramento da Matriz do Desenvolvimento Sustentável, em um conjunto de compromissos das Partes Interessadas nos critérios ASG+P – Ambiente, Sociedade, Governança e Pessoas.

A Matriz do Desenvolvimento Sustentável, ao se inspirar nestes conceitos, e acrescentar as considerações de interesse individuais e humanizadas, visa reconhecer o esforço das organizações em recompensar o Ambiente, a Sociedade, a Governança e as Pessoas, permitindo visualizar, com seus próprios critérios, se as práticas estão aderentes ao discurso da organização, e de produzir recompensas nas dimensões ASG+P (Ambiente, Sociedade, Governança e Pessoas), de tal modo que os recursos obtidos sejam suficientes para manter vivos seus organismos e gerar crescimento e valor.

De forma resumida, são os seguintes os compromissos que as organizações devem assumir em forma de práticas sustentáveis, segundo a natureza de seus negócios. 

AMBIENTE

A1 – Defender a sustentabilidade ambiental e implementar políticas e práticas para proteger os ecossistemas naturais.

A2 – Buscar aumento da eficiência energética em toda a cadeia de valores 

A3 – Redução substancial das emissões associadas às operações próprias e às da cadeia de suprimentos.

A4 – Tecnologia para o desenvolvimento de produtos, insumos verdes, embalagens biodegradáveis, economia circular e coletas seletivas.

SOCIEDADE

S1 – Respeitar a cultura, os valores, os princípios morais e éticos, a legalidade e a ordem nas

Sociedades em que a organização está inserida

S2 – Contribuir para os princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em defesa dos direitos básicos para uma vida digna, com liberdade, saúde e segurança das pessoas

S3 – Contribuir para a melhoria do IDH através de ações pontuais orientadas para a

Educação, Saúde e Saneamento, causas comunitárias e programas sociais, turismo, esporte e lazer

S4 – Exercer a Responsabilidade Social Corporativa, contribuindo para a melhoria da infraestrutura, na impulsão do progresso e competividade do Sistema

GOVERNANÇA

G1 – Perenidade da organização gerando Valor por meio de evidências de crescimento, responsabilidade e sustentabilidade

G2 – Geração de riqueza e rentabilidade dos ativos totais, e a efetividade na condução dos negócios. Assegurar o cumprimento de metas fiscais e aplicação correta para as verbas públicas

G3 – Trabalhar por resultados que reflitam a eficiência do processo de gestão operacional e a excelência na utilização dos recursos dentro da autonomia dos gestores

G4 – Aprimorar institucionalmente a organização, reforçando sua legitimidade, prestígio, reputação e outros intangíveis, segundo avaliação pelos clientes, fornecedores, parceiros e pela Sociedade

PESSOAS

P1 – Desenvolvimento social para a geração de trabalho, emprego e renda. Apoio ao empreendedorismo e incentivo ao trabalho formal

P2 – Compartilhar o sucesso da organização e oportunidades de inclusão e diversidade sem limitações de qualquer ordem

P3 – Educação e capacitação para promover o desenvolvimento pessoal e profissional dos indivíduos

P4 – Oferecer qualidade de vida no trabalho, segurança e clima organizacional e assistência social à força de trabalho

A Matriz do Desenvolvimento Sustentável aplicável ao setor público permite a alocação dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) em seus respectivos quadrantes, de modo a ser possível identificar o desempenho da Governança/Entidade em seus respectivos compromissos

i SAKAI, E.; ESG contra o greenwashing e socialwashing; OBSERVATÓRIO 3º SETOR. Mar 2022 disponível em https://observatorio3setor.org.br/ acesso em 29/10 ii MARSH, A. ; Social Washing Is Becoming Growing Headache for ESG Investors; Bloomberg News April 2020. Disponível em https://www.bloomberg.com/’ acesso em 29 out iii Pizzetti, Marta; Gatti, Lucia; Seele, Peter (2021). “Firms talk, suppliers walk: Analyzing the Locus of Greenwashing in the blame game and introducing ‘vicarious greenwashing'”. Journal of Business Ethics. 170: 21–38. doi:10.1007/s10551-019-04406-2. S2CID 214383794. iv Dahl, Richard (1 June 2010). “Greenwashing: Do You Know What You’re Buying?”.
Environmental Health Perspectives. 118 (6): a246–a252. doi:10.1289/ehp.118-a246. PMC 2898878. PMID 20515714.
v Ullman, Charlotte (2008). “Compte rendu de l’ouvrage ” L’entreprise verte ” d’Elisabeth Laville”. Netcom (in French) (22–3/4): 337–339. doi:10.4000/netcom.1764. vi MAGALHÃES, M.F.; Estratégias para o Desenvolvimento Sustentável ASG+P, GEN/ATLAS, Rio de Janeiro 2022 vii MAGALHÃES, M.F.; Estratégias para o Desenvolvimento Sustentável ASG+P, GEN/ATLAS, Rio de Janeiro 2022 viii MAGALHÃES, M.F.; Estratégias para o Desenvolvimento Sustentável ASG+P, GEN/ATLAS, Rio de Janeiro 2022

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